Já próximo ao encerrar do ano fiscal, o embate existente em torno da cobrança do Diferencial de Alíquota (“Difal”) do ICMS em operações interestaduais de venda de mercadorias a consumidor final não contribuinte do imposto parece estar longe do fim.
As primeiras discussões sobre a matéria remontam à Emenda Constitucional nº 87, que foi instituída em 2015 visando reduzir o desequilíbrio econômico existente entre os Estados em relação à tributação do ICMS no e-commerce.
Isso porque, pela redação original da Constituição Federal de 1988, o ICMS relativo a operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto era destinado exclusivamente ao Estado de origem da mercadoria. Por consequência, os poucos Estados que concentram a maior parte das empresas de comércio online acabavam sendo beneficiados na arrecadação do ICMS.
Em razão disso, a Emenda de 2015 veio para alterar a Constituição Federal (no §2º do artigo 155) e estabelecer critérios para que os Estados destinatários da operação comercial passassem a perceber parte do proveito tributário, por meio do Difal.
A partir da nova previsão constitucional, o Conselho Nacional da Política Fazendária (“Confaz”) editou o Convênio ICMS nº 93/15, por meio do qual estabeleceu regramento específico acerca da apuração e recolhimento do Difal do ICMS, inclusive no que diz respeito às suas alíquotas.
No entanto, em razão da disposição contida no artigo 146 da Constituição, que estabelece que somente Lei Complementar poderá dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária, regular limitações constitucionais ao poder de tributar e estabelecer normas gerais de legislação tributária, a legalidade do mencionado Convênio passou a ser questionada por grandes empresas do setor de varejo perante o Poder Judiciário.
Submetida a questão ao STF, no ano de 2021 decidiu-se pela inconstitucionalidade das Cláusulas Primeira, Segunda, Terceira, Sexta e Nona do Convênio ICMS nº 95/15, que tratavam sobre a forma de apuração do ICMS em operações interestaduais e, em observância ao princípio da legalidade, ficou estabelecido que, a partir do exercício de 2022, os Estados e o Distrito Federal só poderiam exigir o Difal por meio de Lei Complementar.
Contudo, para evitar que os Estados fossem obrigados a restituir os valores arrecadados nos últimos 5 anos, o Supremo modulou os efeitos da decisão para vincular a cobrança do ICMS à edição de Lei Complementar somente a partir do ano de 2022. Em termos práticos, isso significa que até 31/12/2021, o Difal poderia ser cobrado com base nas normas declaradas inconstitucionais.
Em verdadeira corrida contra o tempo para suprimir a lacuna legal e garantir recolhimento do imposto aos cofres públicos já no exercício de 2022, em dezembro de 2021 o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei nº 32/21, que alteraria as disposições da Lei Complementar nº 87/96 (“Lei Kandir”), de modo a estabelecer as regras específicas para a exigência do Difal do ICMS. Por sua vez, o Confaz editou o Convênio ICMS 236/21, por meio do qual instituiu o Portal do Difal.
Ocorre que a sanção da Lei Federal pelo Presidente da República só ocorreu em janeiro de 2022, propiciando o novo e atual cenário de confronto entre fisco e contribuintes.
Esse cenário se deve ao fato de que, em princípio, a Lei Complementar nº 190/22 deveria ser submetida às regras constitucionais de vacância que preveem (i) que o tributo só pode ser cobrado após noventa dias da publicação da lei que o instituiu ou aumentou – é a chamada anterioridade nonagesimal, ou noventena – e (ii) que, além disso, a sua cobrança só deve ocorrer a partir do ano seguinte – a chamada anterioridade anual; regras previstas nas alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição.
Com base nestes fundamentos constitucionais, considerando que a Lei Complementar nº 109/22 só foi publicada em janeiro de 2022, os contribuintes passaram a argumentar que o início de sua vigência só ocorreria em janeiro de 2023.
Não demorou muito para que a questão escoasse novamente para o STF, por meio das ADIs 7006, 7070 e 7078, nas quais se discute se a Lei Complementar nº 109/22 deverá produzir efeitos já em 2022 ou apenas em 2023.
Recentemente, referidas ações foram incluídas na pauta de julgamento virtual do STF, tendo o relator sorteado, o Ministro Alexandre de Moraes, disponibilizado o seu voto. De acordo com Moraes, a Lei Complementar nº 190/22 não instituiu ou majorou o ICMS, mas meramente promoveu alterações na destinação da receita tributária entre Estados, de forma que não deve se submeter às regras de anterioridade nonagesimal e anual.
Vale mencionar que a própria Lei Complementar nº 190/22, em seu artigo 3º, previu expressamente a observação, para sua produção de efeitos, das regras constitucionais de anterioridade acima mencionadas, o que sugere ter sido opção expressa do legislador garantir a tranquilidade acerca da interpretação sobre o início da vigência.
Fato é que, em virtude do aceno do Ministro relator em benefício do Fisco, antes mesmo da conclusão do julgamento da matéria, o enfoque das discussões em torno do Difal ganha novos acentos, pois os Estados já analisam se o Difal pode ser considerado devido a partir de 2 de março ou 1º de abril de 2022, uma vez que, em seu voto, o Ministro imputou constitucional a previsão da Lei Complementar nº 190/2022 que, alterando a Lei Kandir, estabelece que o regramento relativo às novas definições de contribuinte, local e momento do fato gerador do Difal só produzirão efeitos no primeiro dia útil do terceiro mês subsequente ao da disponibilização do Portal do Difal aos contribuintes.
O portal do Difal foi instituído em 29 de dezembro de 2021 pelo convênio ICMS nº 236/21, mas só passou a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2021. Assim, alguns Estados entendem que o termo inicial para a contagem do prazo seria em dezembro de 2021, com a publicação do Portal do Difal, o que autorizaria a cobrança do Difal a partir do dia 2 de março de 2022.
Caso a decisão final do STF, após conclusão do julgamento, seja pela necessidade de observância às anterioridades nonagesimal e anual, os Estados só estarão autorizados a promover a cobrança do Difal no exercício fiscal de 2023. Estima-se que eventual resultado em prol dos contribuintes poderá implicar perda de arrecadação superior a 9 bilhões de reais aos cofres públicos.
Após pedido de vista pelo Ministro Dias Toffoli, as ações foram retiradas da pauta do STF. Até o momento, não há estimativa de retomada do julgamento.
O Coletta Rodrigues Advogados se coloca à disposição para o atendimento de dúvidas sobre o Difal do ICMS.